Ressonância
Estocástica: Uma idéia notável que mudou nossa percepção do ruído
L. Gammaitoni , P. Hanggi , P. Jung and F. Marchesoni
Department of Physics, University of
Perugia, 06123 Perugia, Italy
Institut f¨ ur Physik, Universit¨at Augsburg, Universit¨atsstr. 1,
86135 Augsburg, Germany
Department of Physics and Astronomy, Ohio
University, Athens, OH 45701, USA Dipartimento di Fisica, Universit`a di Camerino, 62032
Camerino, Italy.
Tradução: Francisco Fambrini
http://lattes.cnpq.br/2870135721044417
email: ffambrini@gmail.com
Boas ideias científicas são raras e, quando alguém tem uma, às vezes leva uma década ou mais até que o mundo a reconheça. A história da Ressonância Estocástica [1] é um exemplo desse tipo. Há cerca de 30 anos, dois grupos em Roma [2] e Bruxelas [3] tiveram uma nova ideia para explicar a ocorrência quase periódica das eras do gelo, ou como uma pequena mudança na órbita da Terra ao redor do Sol pode causar uma mudança climática tão dramática quanto as eras glaciais. A ideia básica deles era a seguinte: se o clima possui dois estados estáveis — um com temperatura mais baixa (era glacial) e outro com temperatura mais alta —, então as flutuações causadas por eventos geodinâmicos podem provocar transições aleatórias entre esses dois estados. Uma modulação adicional, pequena e periódica (não aleatória) da órbita da Terra influenciaria essas transições aleatórias, tornando-as mais prováveis em determinados momentos. Se as flutuações forem muito pequenas, as transições ocorreriam com pouca frequência e não seriam sincronizadas com a modulação da órbita da Terra. Se as flutuações forem muito grandes, as transições aleatórias seriam frequentes demais e não poderiam ser sincronizadas. Assim, surge uma Ressonância Estocástica em um nível ideal de flutuações!
Embora fosse uma ideia brilhante, dados posteriores não confirmaram essa hipótese como explicação para as eras glaciais. Mas isso não foi o fim da Ressonância Estocástica. Pelo contrário, o conceito seguiu seu próprio caminho. Foram necessárias duas demonstrações experimentais — uma em um circuito eletrônico bistável [4] e outra em um laser de anel bidirecional [5] — além da introdução de quantificadores mais fáceis de usar [6–8], para que o novo campo da Ressonância Estocástica ganhasse impulso.
Um momento decisivo nessa área ocorreu quando se descobriu a semelhança entre as distribuições dos tempos de escape em um sistema bistável fracamente excitado [9] e as distribuições dos intervalos entre os potenciais de ação dos neurônios [10]. O mais surpreendente na época, e que mais despertou a curiosidade dos pesquisadores, foi a sugestão de que o ruído, frequentemente considerado um fator incômodo e de pouca influência, poderia, na verdade, ser um componente essencial na geração de potenciais de ação. Isso, combinado com o conceito de Ressonância Estocástica — ou seja, a existência de um nível ótimo de flutuações —, levou a um novo paradigma: os sistemas podem ter evoluído para funcionar melhor sob níveis ambientais de ruído. Esse insight gerou um grande interesse na investigação do papel da Ressonância Estocástica em sistemas biológicos ruidosos [11].
Uma pesquisa marcante nessa linha foi realizada por Frank Moss e seus colaboradores, que demonstraram pela primeira vez a Ressonância Estocástica em um organismo vivo. Eles mostraram que, de fato, a adição de ruído externo melhora a detecção de pequenas vibrações pelo mecanorreceptor do lagostim [12]. De maneira semelhante, Levine e Miller [13] demonstraram o benefício do ruído no sistema sensorial cercal do grilo. Notavelmente, a pesquisa sobre o papel benéfico do ruído em diversos aspectos do sistema nervoso — desde sinapses [14] até o córtex [15], ressonâncias estocásticas fantasmas em conjuntos de neurônios [16], funções cerebrais superiores [17] e até mesmo neuroreabilitação [18] — continua muito ativa, com um número crescente de publicações. Tipicamente, os sinais biológicos amplificados por Ressonância Estocástica devido a perturbações ambientais são de natureza não estacionária. Isso demanda novos quantificadores de Ressonância Estocástica [19], com possíveis ramificações na teoria da informação [20]. Representativos do papel do ruído e da Ressonância Estocástica em sistemas biológicos são alguns artigos desta edição temática [21–25].
A busca pela evidência definitiva de que a própria evolução foi influenciada por flutuações ambientais inevitáveis ainda está em andamento [26]. Muitas das aplicações da Ressonância Estocástica, especialmente na neurociência, envolvem grandes conjuntos de sistemas acoplados. Os neurônios se comunicam quimicamente por meio de sinapses e eletricamente através de junções comunicantes, formando grandes redes. Dependendo do acoplamento e da topologia da rede, o comportamento coletivo pode ser drasticamente diferente do comportamento individual dos neurônios. Estudos iniciais reconheceram a importância da resposta da rede em comparação com a resposta de seus componentes individuais a um sinal externo fraco na presença de ruído [27–29]. Os efeitos da topologia da rede na Ressonância Estocástica continuam sendo objeto de pesquisa, como discutido em vários artigos desta edição temática [21,30–34]. Desde o início, o papel do ruído intrínseco — ou seja, o ruído que persiste devido a flutuações térmicas ou porque o sistema é pequeno e composto por poucos elementos — na Ressonância Estocástica tem sido investigado. Afinal, se a natureza evoluiu para operar de maneira otimizada sob níveis ambientais de ruído, as fontes subjacentes desse ruído deveriam ser intrínsecas. Um estudo pioneiro sobre Ressonância Estocástica em canais iônicos periodicamente ativados [35], os blocos fundamentais da geração de potenciais de ação nos neurônios, demonstrou Ressonância Estocástica, mas em um nível de ruído incompatível com os níveis ambientais. Bezrukov e Vodyanoy [36] observaram Ressonância Estocástica em um sistema de canais iônicos dependentes de voltagem formados pelo peptídeo alameticina, ou seja, em um canal iônico sintético. No entanto, se a ativação térmica das proteínas do canal não seguisse a cinética da lei de Arrhenius, como sugerem alguns experimentos [37], a Ressonância Estocástica poderia ocorrer em temperaturas ambientais [23]. Outra linha de pesquisa sobre o papel do ruído intrínseco explora a relação entre o tamanho do sistema e o nível de ruído. Quanto menor o número de componentes de um sistema, maiores são as flutuações. Assim, os níveis de ruído podem ser ajustados ao tamanho do sistema, levando ao conceito de Ressonância Estocástica dependente do tamanho do sistema [38–40]. Sem dúvida, o paradigma da Ressonância Estocástica, originalmente desenvolvido para explicar as eras do gelo, se expandiu muito além da física e deixou sua marca em diversas outras disciplinas científicas. Este prefácio não pretende ser abrangente; na verdade, é bastante incompleto, pois não menciona importantes generalizações da Ressonância Estocástica, incluindo mecanismos entrópicos [41], questões energéticas e de controle [42–44], efeitos quânticos [45] (até mesmo em computação quântica [46]), desenvolvimento de dispositivos [47–49], formação de padrões [27,28] e muito mais.
Concluímos este prefácio retornando à dinâmica climática. Enquanto as grandes eras do gelo ocorrem aproximadamente a cada 100.000 anos, descobriu-se que, durante os períodos glaciais, ocorrem aquecimentos súbitos mais ou menos periodicamente, a cada 1.500 anos (os eventos de Dansgaard-Oeschger). A análise dos dados dos núcleos de gelo da Groenlândia [50] revelou uma distribuição dos tempos de transição entre períodos frios e quentes compatível com o que se esperaria caso o clima do Atlântico Norte se comportasse como um sistema excitável impulsionado por uma força periódica fraca (provavelmente de origem solar), influenciando periodicamente o clima para um estado ou outro [51,52]. Além disso, as transições observadas são extremamente rápidas (menos de 5 anos), reacendendo o debate sobre se as mudanças climáticas rápidas são um sinal do impacto humano. Modelos geofísicos mais sofisticados foram desenvolvidos para esclarecer a natureza desse forçamento e aprofundar a compreensão do papel da Ressonância Estocástica [53].
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